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Combate ao trabalho escravo: responsabilidade de todos

O trabalho escravo persiste em diversas partes do mundo em pleno século 21. E é inaceitável ficar de braços cruzados sabendo que esse tema está ainda tão presente em nosso dia a dia. Para saber mais sobre qual a situação atual do trabalho escravo, suas variações modernas e o que podemos fazer para combatê-lo, entrevistamos Giuliana Ortega.

A entrevistada: Giuliana Ortega, uma profissional com quase 20 anos de experiência em implementação de gestão sustentável, alinhada com normas internacionais, com foco na gestão de cadeias de fornecimento. Diretora executiva no Instituto C&A*, que acompanha o tema há quase dez anos. Ela conta aqui como fazer a nossa parte no combate `a essa grave violação dos Direitos Humanos.

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A&Co- Primeiro quero abordar a questão da definição. O que se caracteriza como trabalho escravo na sociedade contemporânea?

Acredito que a definição presente hoje no nosso Código Penal, artigo 149, é bastante adequada: Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

O conceito utilizado no Brasil é endossado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. É considerada um avanço, por exemplo, a atenção dada à jornada exaustiva e a condições degradantes de trabalho.

A&Co – Como você resumiria a situação do trabalho escravo na cadeia da moda hoje, no Brasil e no exterior?

Infelizmente, o trabalho forçado é hoje um fenômeno global, presente em todas as regiões do mundo e em várias cadeias produtivas. E frequente no Brasil. Segundo a ONG internacional Walk Free Foundation, em 2016, havia 369 mil pessoas em situação de escravidão moderna no país. O conceito de escravidão moderna abrange as diferentes formas de trabalho forçado (exploração no setor privado, exploração sexual forçada e trabalho imposto por autoridades de governos), bem como o casamento forçado.

Tradicionalmente, a pecuária bovina é o setor com mais casos no país. Há cerca de dez anos, porém, aumentaram as operações de fiscalização em centros urbanos. Em 2013, pela primeira vez, a maioria dos casos identificados ocorreu em ambiente urbano.

O trabalho escravo urbano no Brasil se dá, principalmente, nos setores da moda e de construção civil. No caso da moda, essa é a triste realidade de milhares de imigrantes que trabalham em oficinas de costura clandestinas espalhadas pelo país. Chegam em busca de oportunidades e acabam sendo explorados. A situação migratória ilegal de muitos deles agrava a situação e os coloca em situação de plena invisibilidade.

A&Co – A moda que consumimos no Brasil é produzida principalmente onde?

Os maiores polos produtores estão nas regiões Sudeste, Sul e parte do Nordeste.

A&Co– O que cada um de nós pode fazer contra o trabalho escravo no dia a dia?

Acredito que, como consumidores, devemos buscar saber mais sobre a origem do que consumimos. Devemos priorizar empresas que praticam a transparência e divulgam os dados sobre sua cadeia fornecedora, com destaque para condições de trabalho. Se o consumidor exercer pressão e mostrar que se importa, essa também passará a ser uma preocupação das empresas.

Algumas ferramentas que permitem saber mais sobre como as marcas estão em relação ao tema e à transparência são: Moda Livre, aplicativo desenvolvido pela ONG Repórter Brasil que avalia a prática das empresas em relação ao combate ao trabalho forçado; e o Índice de Transparência na Moda, do Fashion Revolution, que avalia as marcas em relação ao seu nível de transparência. A edição de 2019 acabou de sair.

A&Co – Como está a situação do trabalho escravo em outras cadeias? Quais são as mais críticas?

Segundo dados da OIT (Relatório Global Estimates of Modern Slavery: Forced Labour and Forced Marriage, 2017), cerca de 25 milhões de pessoas foram submetidas a trabalho forçado em 2016. Nos casos em que foi possível determinar o tipo de trabalho forçado realizado por pessoas adultas no setor privado, 24% se referiam ao trabalho doméstico, enquanto 18% ocorriam na construção civil, 15% na indústria e 11% na agricultura e pesca. A região com maior incidência foi Ásia e Pacífico.

A&Co- Quais organizações atuam no Brasil contra o trabalho escravo? E internacionalmente? Que iniciativas você considera mais interessantes e com bons resultados?

Globalmente, temos o trabalho da OIT, que estabelece convenções a serem ratificadas pelos países, incluindo aquelas para o combate a qualquer tipo de trabalho forçado. A OIT também tem uma atuação bem interessante pela sua composição tripartite, com a representação de empresas, trabalhadores e governos.

A WalkFree Foundation também atua globalmente para a criação de uma base de conhecimento robusta que servirá aos tomadores de decisão e para mudança no ambiente regulatório.

A Freedom Fund é outra organização com bastante relevância no campo globalmente, dedicada a combater o trabalho escravo.

No Brasil, temos o trabalho do InPacto, uma organização sem fins lucrativos que mobiliza os diferentes setores na promoção do trabalho decente há 15 anos, desde a criação do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. O InPacto tem uma composição multistakeholder bem interessante, reunindo atores do setor produtivo, a sociedade civil e o setor público.

Também temos aqui no Brasil algumas organizações que atuam diretamente com a comunidade de imigrantes, em ações de advocacy, para a prevenção da ocorrência de trabalho escravo, empoderamento dos trabalhadores e suporte às vítimas. Algumas delas têm parcerias conosco, como CAMI, CDHIC e Missão Paz.

Para saber mais:

https://www.ohchr.org/documents/publications/slaveryen.pdf

http://www.unesco.org/new/en/social-and-human-sciences/themes/slave-route/modern-forms-of-slavery/

https://www.laudesfoundation.org/

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* Transição do Instituto C&A para a Laudes Foundation

Em 2020, o trabalho desenvolvido pelo Instituto C&A na moda se tornará parte da Laudes Foundation, nova fundação independente criada para apoiar iniciativas que inspirarão e desafiarão o mercado a direcionar o seu poder para o bem. A organização trabalha tanto para influenciar o capital, a fim de que o investimento incentive boas práticas de negócios, como por meio da indústria da moda e da construção civil, para enfrentar seus desafios profundos e sistêmicos.

A Laudes Foundation faz parte da empresa da família Brenninkmeijer, ao lado dos negócios da COFRA e de outras atividades filantrópicas privadas, incluindo Porticus, Good Energies Foundation e Argidius Foundation.

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