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Nike-um grande exemplo lucrativo de coragem e construção de reputação

Os Estados Unidos tem cerca de 40 milhões de pessoas vivendo na pobreza, e problemas éticos, sociais e ambientais com dimensões similares aos do Brasil. Nesse contexto, chama a atenção a quantidade de exemplos de empresas dispostas a encarar grandes questões sociais de frente e se sair bem (e muito bem) ao fazer isso.Por outro lado, isso também evidencia o silêncio das nossas marcas no posicionamento em relação a grandes questões da sociedade.

Os casos americanos mais conhecidos são os de empresas como Ben & Jerry, que, antes da aquisição pela Unilever, fazia campanhas públicas contra o armamento e a guerra num país extremamente dividido por essas questões. Por isso, entre outras iniciativas, lançou em 1990 o sorvete Peace Pops (Picolés da Paz), cuja caixa explicava os motivos para ser contra a militarização e a doação de 1% para campanhas pacifistas. Quando questionados se eles não percebiam o risco que isso poderia significar para o negócio, os gestores da empresa responderam: “Do nosso ponto de vista, o risco de continuarmos a militarização é muito mais relevante do que qualquer risco para os negócios!”.

Mais recentemente, vimos o sucesso da empresa de iogurte Choubani, que produz hoje o mais vendido iogurte “grego” no país. Ela foi fundada há 15 anos por um imigrante turco e um grupo de desempregados, distribui 10% do valor da empresa em ações para seus funcionários e emprega inúmeros refugiados, que hoje já somam 30% do total de empregados. No website da empresa, há, neste momento, uma campanha de doações para dar apoio às famílias de militares que não têm direito a serviços sociais – que também funciona como uma denúncia. O objetivo é conseguir um milhão de dólares.

Mas nenhum desses casos se compara com a habilidade da Nike de navegar em águas turbulentas por décadas, aprendendo a melhorar sua gestão e também a utilizar seu posicionamento ético e polêmico para melhorar os resultados financeiros, consistentemente.

Um pedaço bastante comentado dessa história aconteceu em 1996, quando a revista Life publicou uma reportagem com a foto de uma criança costurando uma bola da Nike. A imagem ficou na cabeça de milhões de pessoas pelo planeta. A era digital estava apenas começando. Em 1998, a empresa resolveu dar um passo à frente das concorrentes e passou a ter uma política de total responsabilidade. Publicou a localização e os nomes de todos os seus fornecedores. Lembre-se que a Nike e suas principais concorrentes não possuem fábricas. Toda a produção é terceirizada ao redor do planeta.

Dez anos depois, na preparação para a Copa do Mundo de 2006, foram novamente apresentadas à Nike fotos de crianças paquistanesas costurando bolas de futebol, uma repetição direta do que tinha acontecido na década anterior. Houve um custo significativo para lidar com esse problema. O recolhimento das bolas e toda a ação custariam 100 milhões de dólares no curto prazo e iriam atrasar a produção futura consideravelmente. A empresa decidiu recolher o produto de qualquer maneira e cancelar o seu contrato com a Saga. Contratou a Silver Star e todo o trabalho seria feito em grandes fábricas. O valor da empresa cresceu. A Nike publicou todos os dados sobre todos os 750 fornecedores ativos naquele período e pediu ajuda para várias organizações na fiscalização.

Mas foi no final do ano passado que uma reportagem publicada na CNBC deu a verdadeira dimensão do quanto a Nike aprendeu com esses episódios, como ela construiu uma marca que é reconhecida por encarar controvérsias, além de mostrar quão lucrativas foram essas escolhas e que a história começou antes do episódio de 1996, expondo a cadeia de fornecedores. Podemos dizer que seus experimentos com posicionamentos inovadores e lucros começou com o lançamento da campanha “Just do it!” (Simplesmente faça!) em 1988. No auge do fisiculturismo, seus modelos eram pessoas de idade fazendo esportes. No mesmo ano, seus lucros subiram cerca de 25% e chegaram a dobrar em 1990.

Em 1995 veio outra campanha impactante, a “If you just let me play” (Se vocês me deixam jogar),que abordava sexismo, desigualdade entre gêneros e violência contra a mulher. No mesmo ano, a empresa patrocinou vários atletas que comunicaram ao público que eram HIV+. No ano seguinte, em 1996, suas vendas aumentaram 36%.

Desde então, podemos mencionar uma sequência de campanhas desafiadoras: “Do the right thing” (Faça a coisa certa), “What would they say about you” (O que eles diriam sobre você), “Find your greatness”(Encontre a sua grandeza), colocando em evidência mulheres, pessoas com deficiência física, idosos, meninas, jovens muçulmanas. Também retirou o patrocínio de atletas famosos que se expressaram de forma discriminadora, com notas públicas curtas: “Simplesmente horrendo”.

Mais recentemente, em 2016, a Nike se envolveu novamente em um tema difícil. Inúmeros atletas, alguns patrocinados pela empresa, se manifestaram publicamente no início de jogos contra a desigualdade racial apoiando a campanha “Black lives matter” (Vidas negras importam), incluindo o mais famoso atleta da Nike, Kaepernick , que foi a público dizer que sempre apoiaria os menos favorecidos. Ele equivale a um Pelé jovem no futebol americano atual. Em seguida, Trump pediu durante um discurso que ele fosse demitido. Nike colocou então Kaepernick no meio de sua campanha de marketing com a frase: “Believe in something. Even if this means sacrificing everything.” (Acredite em algo, mesmo se isso signifique sacrificar tudo). Milhares de pessoas postaram nas redes sociais produtos da Nike sendo destruídos. No dia seguinte, as ações da Nike caíram 3,2%. Trump foi novamente a público e disse: “O que a Nike estava pensando?”

Bem, parece que ela sabia bem o que fazia. A reação seguinte foi espetacular. Todas as celebridades que apoiavam o movimento contra discriminação fizeram campanha para que as pessoas comprassem os produtos da Nike. Suas vendas on-line subiram 25% em um só dia e continuaram crescendo. As ações subiram a patamares muito acima do que estavam antes da polêmica (veja gráfico abaixo).

Enquanto marcas correm de controvérsias, a Nike se coloca no meio delas. Isso a posiciona também no centro das discussões mais importantes da sociedade. E esse espaço é muito maior do que qualquer fatia de mercado. Ela também se comporta da mesma forma em relação a temas de sua indústria, e há décadas projeta tênis comuns e de alta performance que são totalmente desmontáveis e reaproveitáveis (disassembled) pela própria indústria. Gostou?

Mas a Nike tem suas armas secretas. Uma delas é Hannah Jones. A jovem jornalista ativista foi contratada em 1998 pela empresa com foco em gestão da sustentabilidade, virou VP Global e hoje está à frente da incubadora da Nike.

Esse foi um dos casos estudados no curso aberto Gestão de Riscos Reputacionais da Arbex & Co. Se quiser saber mais, fale conosco.

Figura 1: Evolução do preço das ações da Nike na bolsa

Texto: Nelmara Arbex

Hannah Jones

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